O pedido de comissão parlamentar de inquérito já tinha sido anunciado na semana passada, mas nem PS nem PSD se quiseram juntar, pelo que o partido de André Ventura irá avançar para essa comissão de forma potestativa.
O requerimento foi subscrito por 46 dos 50 deputados do CHEGA, uma vez que é o máximo de deputados que podem subscrever esta iniciativa, sendo que a proposta teria de ser votada em plenário, mas foi substituída por um requerimento potestativo.
Em declarações aos jornalistas na Assembleia da República, o presidente do CHEGA indicou que o partido tinha “entregado esta manhã um pedido normal, ordinário”, para a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito, proposta que teria de ser votada em plenário, mas “foi substituído por um requerimento potestativo”.
“Informei o senhor presidente da Assembleia da República que decidimos requerer uma comissão parlamentar de inquérito potestativa”, referiu Ventura.
Esta possibilidade tinha sido admitida por André Ventura no passado dia 3 de abril, quando anunciou que iria impor a constituição uma comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas luso-brasileiras tratadas no Hospital de Santa Maria, caso não existisse acordo do PSD até sexta-feira.
Esta quarta-feira, o líder do CHEGA disse ter sido “informado esta manhã [de quarta-feira] pelo líder parlamentar do PSD que não acompanharia” a proposta na votação em plenário.
Recorde-se que o caso das duas gémeas residentes no Brasil que adquiriram nacionalidade portuguesa e receberam em Portugal, em 2020, o medicamento Zolgensma, com um custo total de quatro milhões de euros, foi divulgado pela TVI, em novembro de 2023, e está ainda a ser investigado pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Entretanto, no passado dia 4 de abril, a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) divulgou um relatório cujas conclusões referem que “não foram cumpridos os requisitos de legalidade no acesso das duas crianças à consulta de neuropediatria” uma vez que a marcação da consulta não cumpriu a portaria que regula o acesso dos utentes ao Serviço Nacional de Saúde, objetivamente as normas do “sistema integrado de gestão de acesso dos utentes ao SNS, que exigem a referenciação prévia por um médico do SNS ou do setor privado”.
Este caso envolve a Presidência da República, que também está referida no relatório, nomeadamente a intervenção de Nuno Rebelo de Sousa, filho de Marcelo Rebelo de Sousa, que solicitou no dia 21 de outubro de 2019, a intervenção do Presidente da República, “tendo sido realizadas várias diligências que culminaram com a remessa do ofício (…), de 31 de outubro de 2019, dirigido ao chefe do gabinete do Primeiro-Ministro, Dr. Francisco André, tendo o Dr. Nuno Rebelo de Sousa sido informado desta remessa”. De seguida, o ofício foi enviado para a chefe do gabinete da então ministra da Saúde, Marta Temido.
Quanto ao Ministério da Saúde, o relatório afirma que “não há evidências da tramitação da comunicação em análise intra e inter gabinetes do Ministério da Saúde, uma vez que a mesma não foi levada ao conhecimento da chefe do gabinete da então ministra da Saúde, nem objeto de despacho, tendo sido remetida pelo Gabinete de Apoio à Secretaria-Geral. A ministra da Saúde, a sua chefe do gabinete, o secretário de Estado da Saúde (SES) e o seu chefe de gabinete, à data, afirmaram desconhecer tal comunicação.” Os inspetores, sublinham, no entanto, que esta ausência de tramitação de comunicação não terá impedido que a situação chegasse ao conhecimento de pelo menos o Secretário de Estado da Saúde (SES), António Lacerda Sales, podendo ler-se que “o SES teve conhecimento do caso após reunião realizada no dia 7 de novembro de 2019” com o filho do Presidente da República, Nuno Rebelo de Sousa, “na qual lhe foi solicitada a colaboração para a obtenção de tratamento com o medicamento Zolgensma”.
No relatório afirma-se ainda que “em data por apurar, mas situada entre 7 e 20 de novembro de 2019, o SES solicitou à sua então secretária pessoal que contactasse telefonicamente o Dr. Nuno Rebelo de Sousa, que pretendia que fosse marcada uma consulta para duas crianças no Hospital de Santa Maria, tendo-lhe fornecido o número telefónico para o efeito. Na sequência deste contacto, a secretária pessoal do SES obteve informação, que remeteu para o CHULN de acordo com as orientações do SES, quanto à identidade das crianças, data de nascimento, diagnóstico e datas em que os pais poderiam estar presentes no referido hospital”. E conclui que, “deste modo, o acesso das crianças à primeira consulta hospitalar desrespeitou a disciplina constante (…) aplicável à data dos factos, uma vez que o diretor clínico autorizou o agendamento das consultas, o que merece reparo.”
Perante estes factos, o CHEGA não teve dúvidas em avançar para uma comissão parlamentar de inquérito, por entender que há diversas entidades que devem dar mais explicações.
Este caso de aparente favorecimento e ‘cunha’ no tratamento às gémeas brasileiras acontece num contexto em que o SNS se encontra em total rutura, com diversos serviços sem funcionar, milhões de portugueses sem médico de família, consultas com atrasos de meses ou anos e médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde a saírem do sistema público para o privado ou a emigrarem.