Quando Scott Jennings, renomado comentador politico e escritor americano apontou o mau profissionalismo da larga maioria dos jornalistas, naquela que é, muto provavelmente, a casa mãe da desinformação e manipulação da opinião pública do mundo ocidental- a CNN-, a impressão com que ficamos é a de que, finalmente, alguém do meio, alguém que poderá ter muito a perder por rebelar-se, teve a coragem de dizer, numa das cadeias de televisão com maior audiência no mundo e em prime time, tudo aquilo que todos nós pensamos há muito, muito tempo. “ Os jornalistas não relatam factos, eles criam os factos.” Scott Jenning deu-se ao luxo desta epifania na noite em que Donald Trump é eleito pela segunda vez Presidente dos Estados Unidos da América, apesar de todo o esforço dos profissionais da informação para entregarem a vitória a Kamala Harris. Todavia, se a certeza de que os massmedia tiveram sempre um papel importante na modelagem do nosso pensamento, a crise Covid 19 e a guerra na Ucrânia foram o ponto de viragem crucial entre aquilo que se fazia dissimuladamente e o que passou a fazer-se abertamente, descaradamente e, pior, impunemente.
O parágrafo 1 do Código Deontológico dos Jornalistas é muito claro quanto a isto: “1. O jornalista deve relatar os factos com rigor e exatidão e interpretá-los com honestidade. Os factos devem ser comprovados, ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso. A distinção entre notícia e opinião deve ficar bem clara aos olhos do público.” Esta é a primeira regra. O primeiro mandamento. Não obstante, a larga maioria dos jornalistas faz por ignorar esta norma simples e galvanizadora da credibilidade dos profissionais da informação. Os textos não merecem escrutínio e são lidos no teleponto com certezas absolutas, mesmo que no teleponto esteja escrito que “foram vistos porta -aviões a sobrevoar os arredores de Taiwan”- ( jornalista da CNN Portugal). Para além dos textos, criteriosamente preparados para o facciosismo, as imagens são recolhidas do ângulo que confirme a falsa narrativa e as entrevistas são, frequentemente, descontextualizadas. Se isto não serve para manter a verdade amordaçada e o público alienado da realidade, serve para quê?
À força de tanta manipulação e tão grande esforço para a criação de uma narrativa única, as fontes de informação alternativas são descredibilizadas, profissionais que querem estar do lado da verdade são afastados e perseguidos, intelectualmente assassinados pela máquina voraz e mortal da propaganda que se disfarça de informação. As redes sociais, são, nesta “Santa Inquisição” da deturpação dos factos, as vítimas preferidas dos inquisidores .Veja-se a avidez do algoritmo do Facebook e a perseguição ao X. Silenciar e cancelar, são hoje palavras de ordem. Sobre isto, a Comissão Europeia dedica-se ferozmente a balizar a informação que pode chegar ao público. Apelida esta manobra de censura com um cognome politicamente correcto. Chama-lhe de “Combate à desinformação e propaganda enganosa”. Atuando através da DAS ( Digital ServicesAct), a Comissão Europeia limpa do palco informativo todos os actores da informação alternativa porque, para a Comissão Europeia, toda a informação alternativa assenta em fake news que importa eliminar. Por “fake news” entenda-se “informação que não corresponde à narrativa que se pretende”.
Jeff Bezos, fundador do jornal The Washington Post, publicou um recente editorial com uma surpreendente autocrítica ao trabalho da mídia tradicional. O texto, para além de suscitar reflexão confirma, para quem ainda tem duvidas, que o jornalismo profissional e ético está moribundo, senão mesmo morto. “A maioria das pessoas acredita que a mídiaé tendenciosa. Qualquer um que não veja isso está pouco atento à realidade e aqueles que lutam contra a realidade perdem. “ Jeff Bezos refere ainda que o público procura cada vez mais, meios de informação alternativos porque já não encontra diferenças significativas entre um podcast improvisado, uma publicação numa rede social ou qual outra fonte de noticias não verificadas e o trabalho que é oferecido, diariamente, porjornalistas creditados, na mídia convencional. Afinal, em ambos os casos o que se encontra com frequência são opiniões e o público, por muito que ignore, sabe que opiniões não são factos.
Em todos os acontecimentos de extrema relevância para o mundo, veja-se como exemplos a guerra na Ucrânia ou as recentes eleições para a presidência norte-americana, há falta de informação e excesso de opinião. O clima de militância que tomou conta da mídia é visível, quase palpável. Não há como negá-lo. Todos os dias, rádios, jornais e canais de televisão, oferecem uma avalanche de afirmações categóricas e pouco fundamentadas, declarações de comentadores, que se auto-intitulam de“especialistas”, destinadas a formatar o pensamento do público num sentido obrigatório e de via única. Há um denominador comum a marcar o teleponto que o pivot nos lê e esse denominador comum chama-se” OPINIÃO”. O “achismo” invadiu o espaço que outrora era destinado à informação e converteu quase tudo o que se lê e ouve na mídiaem radicalização e politização. E nesse sentido, mais nenhuma outra profissão está hoje munida de armas que ferem a liberdade, a verdade e a coesão social, como está o jornalismo.
As notícias que realmente importam, aquelas que são capazes de alterar o rumo de um país e, até, do mundo, são hoje fruto do contrabando opinativo, das meias-verdadesdisseminadas de forma irresponsável quando, pelo contrário, deviam resultar de um trabalho sério de investigação profunda e imparcialidade.
O cenário do jornalismo atual deve preocupar-nos a todos. Este cenário exige reflexão, autocrítica e coragem. Todos, sem exceção, percebem que aquela que já foi uma das profissões mais nobres do mundo é agora uma arma letal contra a verdade. O jornalismobateu no fundo do poço, perdeu toda a credibilidade e já não merece a confiança do público. Recuperar fortemente o jornalismo factual, entregar, com ética e empenho de isenção a realidade nos factos, sem filtros ideológicos ou militância camuflada é absolutamente necessário e urgente.
Num momento em que, tantos canais da mídia convencional fecham portas e despedem profissionais por falta de fundos e se submete cada vez mais à ajuda governamental dos Estados, para sobreviver, mais se teme pelo futuro daquela que já foi umas das mais respeitáveis profissões do mundo. O jornalismo independente reclama liberdade. Não pode ter dono. O compromisso de um jornalista, está lá, no Código Deontológico, é com a verdade e com o leitor. De que forma é isto compatível com subvenções e subsídios estatais? Se o fenómeno da disrupção digital e da IA já vem agravar o problema da perda de domínio da narrativa nos meios tradicionais, que soluções se preconizam quando a mídia se dispõe ainda a vender-se aos poderes políticos e governativos? A ironia aqui faz-se sozinha. Os jornalistas que, há muito se queixam dos constantes ataques contra a classe, são os próprios e mais ninguém, os carrascos de si mesmos. Com o uso dessa arma letal que é a Palavra, auto-mutilam-se até ao suicídio fatal.
Não é de hoje que os consumidores manifestam cansaço em torno da luz sombria das coberturas jornalísticas e do tom tendencioso das reportagens, mas a cada dia que passa, se adensa mais, entre o cidadão comum, a percepção de que o jornalismo está enterrado até ao pescoço num lamaçal denso e fétido que agride a dignidade humana, envergonha o mundo e torna inviável o futuro de gerações inteiras.