A Procuradoria-Geral da República (PGR) defendeu hoje que endereçar convites a magistrados para o lugar de procurador europeu compromete a independência do cargo e que, tal como abrir novo concurso para encontrar mais candidatos, “não lhe era exigível”.
O Conselho Superior do Ministério Público (CSMP) deliberou hoje em plenário rejeitar por unanimidade a abertura de um novo concurso para o cargo de procurador europeu, contrariando o sentido de um parecer do Conselho Consultivo da PGR.
A questão dos convites decorre da possibilidade aberta por um parecer do Conselho Consultivo da PGR, entretanto acatado pelo Governo, que pretende resolver o problema legal criado pela ausência de candidaturas em número suficiente para o cargo europeu.
Segundo adiantou hoje o Observador, com base nesse parecer, o Governo solicitou ao CSMP e ao Conselho Superior da Magistratura a abertura de novos concursos para preencher as três vagas que devem ser indicadas por cada um dos conselhos, num total de seis candidatos indicados que serão, depois, escrutinados pela Assembleia da República (AR), antes da seleção e posterior indicação pelo Governo do candidato final às instâncias europeias.
O mesmo parecer defende que na impossibilidade de se preencherem todos os lugares estipulados no regulamento de candidatura ao cargo, terá que haver no mínimo três candidatos apresentados a escrutínio à AR, que se não puderem ser escolhidos por via de concurso, podem ser convidados pelos conselhos superiores, sendo permitido endereçar convites a magistrados elegíveis que não se tenham anteriormente apresentado a concurso.
“O convite – supondo alguma prevalência hierárquica e um grau relevante de confiança pessoal – já é, em si, uma seleção que confina e restringe o universo de candidatos, obsta à liberdade de concorrer e é suscetível de contender com a independência que se pretende sublinhar em todo o procedimento de seleção e no exercício do cargo de procurador europeu”, justificou a PGR em resposta enviada hoje à Lusa.
Na mesma resposta sobre o processo de candidatura e seleção de candidatos a procurador europeu, que decorreu sem que tivessem sido conseguidos os três pretendentes previstos no regulamento de acesso ao lugar, a PGR recordou que abriu o procedimento concursal em 25 de maio de 2022.
A esse concurso apresentou-se apenas o procurador José Ranito, que acabou por ser o nome indicado pelo CSMP ao Ministério da Justiça como candidato da magistratura do Ministério Público ao cargo de procurador europeu, tendo este conselho superior em 21 de setembro de 2022 deliberado autorizar a nomeação do magistrado em comissão de serviço.
“Entendeu o CSMP que outro procedimento, além do descrito, e à luz do quadro legal vigente, não lhe era nem é exigível, muito concretamente, preencher por uma outra qualquer via, ou pela mesma, a “quota” de três magistrados”, respondeu hoje a PGR.
Na mesma resposta, a PGR recorda o Estatuto do Ministério Público que define que os magistrados não podem “ser mudados de situação” exceto nos casos previstos, decorrendo daí que a candidatura ao cargo de procurador europeu deve acontecer por vontade dos procuradores, não sendo nenhum “obrigado a concorrer”.
“Tratando-se o procedimento de um concurso aberto, não cabe ao CSMP, na ausência de candidaturas ou perante um número de candidaturas que não é de molde a preencher a “quota” de três, percorrer outra via para a compor, designadamente por via do convite, mais ou menos alargado, a este ou àquele grupo de magistrados, com estas ou aquelas características”, defendeu a PGR.
Na mesma nota aponta-se como solução a norma prevista no regulamento europeu que admite a apresentação de apenas dois candidatos desde que “suficientemente demonstrado que é objetivamente impossível para um Estado-Membro encontrar um terceiro candidato elegível”, juntando à candidatura um “parecer fundamentado” justificando o facto.
O magistrado português José Guerra foi nomeado em 27 de julho de 2020 procurador europeu nacional na Procuradoria Europeia, órgão independente com competência para investigar, instaurar ações penais e deduzir acusação e sustentá-la na instrução e no julgamento contra os autores das infrações penais lesivas dos interesses financeiros da União (por exemplo, fraude, corrupção ou fraude transfronteiriça ao IVA superior a 10 milhões de euros).
O órgão que funciona como um Ministério Público independente e altamente especializado entrou em atividade a 01 de junho de 2021.
O mandato de José Guerra termina este ano.