O definhar da Língua Portuguesa

​A média do exame nacional de Português foi, este ano, de 12,5 valores e o sistema rejubilou, porque, ao fim de tanto (des)investimento no Ensino, começamos a ver resultados positivos. Parece que os alunos dominam a Língua Materna como nunca antes e os leigos, que não sabem o significado da expressão “exame nacional”, creem que esta melhoria se deve a um aumento de competências, fruto de um trabalho mais focado nas reais necessidades dos alunos e  na ambição que a Escola tem de se superar a si própria. Nada mais errado.

​Este sucesso enganador, a falácia máxima do sistema educativo, resulta apenas de uma política de facilitismo que começa nos programas de Português, continua nas elogiadas “aprendizagens essenciais” e se consubstancia em aulas baseadas em manuais de qualidade científico-pedagógica duvidosa, papagueados por professores obedientes, ciosos da sua função de evangelizar pela cartilha. Daqui, resulta um ensino entediante, sem desafios, que limita os alunos às linhas de leitura recomendadas pelo Ministério – um ensino pobre, que vai ser avaliado através de perguntas básicas, de resposta curta, escolha múltipla ou exercícios de completação. O raciocínio, a criatividade, a formulação de respostas a partir da relação de conhecimentos e da inferência de sentidos ou estão ausentes ou assumem uma representatividade mínima.

​Resumindo: os exames são concebidos para o sucesso de quem se guia minimamente pelas orientações ministeriais. Nada mais castrador para uma aprendizagem florescente e proveitosa da nossa Língua. Por isso, na minha opinião, uma média de 12,5 valores é deprimente: para quem se esforça por ser um professor a sério, para quem vai ingressar no ensino superior para seguir uma carreira académica credível, para quem sente, tal como Pessoa, que “a minha Pátria é a Língua Portuguesa”. Pergunto: a nossa Língua só vale 12,5 valores e ficamos felizes? Atrevo-me a dizer que essa satisfação significa que a autoestima nacional está desgastada, pois se já nem a Língua Portuguesa valorizamos.

​Como nacionalista orgulhosa que sou, recuso-me a ser conivente com um sistema que tem o pérfido objetivo de nos globalizar, banindo a nossa Identidade dos programas de Português, que desvaloriza o domínio consciente da Língua, onde, inclusivamente, se desvia a atenção de professores e alunos do orgulho nacional e do patriotismo – palavras, expressões e sentimentos que se vão diluindo entre inúteis figuras de retórica e conteúdos gramaticais inférteis que assumem o protagonismo. E é aqui que se contribui para a estupidificação coletiva, em que o aplauso vai para uma medíocre média de 12,5 valores!

​Neste sentido, sou defensora dos verdadeiros exames, não por saudosismo, mas por não suportar este ensino do Português que nos querem impor – um ensino tendencioso, pobre e redutor para o desenvolvimento integral do aluno. Como professora, continuo a ler os textos com os alunos, a orientá-los na exploração de sentidos, na expansão dos horizontes do pensamento e da fruição literária, o que me dá o estatuto de um “ser estranho” que tenta fazer com que, em cada aula, se estabeleça um diálogo surpreendente com algo maior.

​Língua e literatura são o exercício pleno da liberdade, que pressupõe o desenvolvimento da Identidade. Um ensino tolhido, ministrado por mentes obedientes e tolhidas, cria mentes fatalmente estéreis. As nossas escolas e as suas elites de presumidos intelectuais têm de se abrir ao mundo, sair do recolhimento de um conhecimento estanque, ter a humildade de ler e ouvir especialistas em didática, voltar à Universidade, refletir, procurar atualização, repensar todos os dias o ensino que professam! Infelizmente, essa não é a tendência e os nossos jovens, se não forem estimulados em casa ou não tiverem um ou outro professor apaixonado que os desperte, não poderão florescer como merecem – perdem o domínio da Língua Materna, perdem a Identidade.

 

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