Sendo o poder local já um “instrumento” de separação de poderes, certamente também será unanime reconhecer que a descentralização e desconcentração de competências podem favorecer o valor do próprio poder local, no entanto, continua difícil de aceitar esta espécie de territorialização da responsabilidade ou melhor, a desresponsabilização territorial, estatal e governativa para o poder local.
Continua a ser difícil afastar definitivamente a ideia de que sempre que existe mais descentralização a mesma é sinonimo de desordem administrativa, porque efetivamente o é, mais que não seja porque por detrás estão sempre condicionantes financeiras que inviabilizam a autonomia local e/ou interesses partidários na conquista ou manutenção do poder. Pode até existir um sistema formalmente desconcentrado, mas se faltam os recursos financeiros descentralizados não se aplica o princípio da subsidiariedade.
Mas se em vez de caminharmos “ficticiamente” num sentido de maior coesão social e alterássemos o sistema de organização territorial e regional, talvez os municípios pudessem assumir funções pertinentes numa lógica de governo local. Desde as agências reguladoras a prestadores de serviços que promovem o desenvolvimento local, associando instrumentos recentes de gestão publica, até ao aumento da transparência/eficiência, são argumentos que podem ser determinantes num futuro próximo.
Ao contrário do que temos assistido! Tem sido um “despachar” de atribuições e competências sem que as “regras” e objetivos estejam claramente definidas, assim como a divisão de tarefas, nomeadamente na área da saúde, ou através das CCDR que se misturam com as CIM entre um caldo de soberanias supra e infra poderes numa miscelânea entre o estado e os municípios que são difíceis de gerir e contrariam a agilidade que o poder local tanto ambiciona!
A confusão instala-se, a desresponsabilização aumenta e a culpa morre solteira. Adicionalmente, faz falta um quadro legal que preveja uma responsabilização judicial sobre os princípios de boa-fé e da relação entre entidades públicas supralocais e locais, ou entre o próprio Estado e os municípios, ou ainda sobre os representantes eleitos que continuam impunes face à qualidade da gestão da coisa pública local.
Por conseguinte, o que mais importa aos principais partidos políticos quando se deparam com escolha de candidatos para eleições autárquicas é a sua popularidade e a capacidade de captação de votos, estes por sua vez, fazem depender a qualidade da sua gestão da capacidade de investimento (principalmente através do Fundo Equilíbrio Financeiro). Quase sempre o candidato ao cargo municipal goza do estatuto de “ser conhecido”, isto pressupõe a sua forte ligação ao local, sendo frequente essa condição para a eleição e não pela sua capacidade técnica, política ou até cultural.
Neste caso em particular, captar o eleitor a votar por um lodo e a manutenção do poder pelos representantes dos partidos políticos ao nível local por outro, não deve fazer com que a sua qualidade de gestão dependa do permanente recurso ao endividamento, devendo esse modus operandi ser cada vez mais escrutinado, quer o recurso quer a qualidade e rigor da aplicação do mesmo deverá levar a maior responsabilização e punição da má gestão do erário público local.
É necessário cada vez mais fontes de crescimento local como alternativa ao status quo do imobilismo autárquico, o setor imobiliário e seu modelo só por si não podem continuar a ser o paradigma da gestão municipal. A legitimação e democraticidade de quem representa as populações não deve esgotar-se no ato político da sua eleição, mas sim nas exigências da especificidade dos cargos, assim como na correspondência sobre o desenvolvimento económico-social dos municípios.
A gestão autárquica não deve depender na quase totalidade dos atos eleitorais, de representantes dos partidos políticos apenas, deverá também existir uma reformulação da lei que permita o acesso mais fácil a movimentos independentes ou apartidários, potenciando assim o governo dos locais e obrigando os partidos do arco a elevar a qualidade dos seus escolhidos. Não tenho dúvidas que o mesmo cria competitividade política e responsabilidade social, promovendo ainda mais a capacidade de inovação dos concelhos e regiões, até para compensar a ausência de uma cultura de aproveitamento e sinergismo intermunicipal, nomeadamente a gestão partilhada de recursos. Neste particular também o excesso de partidarização “cega” os representantes políticos dependentes de uma agenda em função dos interesses e de quem representam!