Pilar del Rio, viúva do escritor comunista José Saramago, afirmou recentemente em entrevista, não ser “dócil, nem servil com o sistema patriarcal”. A não ser que se esteja a referir ao mundo islâmico, no qual as mulheres são descriminadas por imperativo da xaria (leiam-se os textos sagrados dessa religião e observem-se as práticas sociais respetivas, como no Irão, Arábia Saudita ou Catar), não sei a que sistema patriarcal esta senhora se refere.
Que sistema patriarcal é este, em que as mulheres vivem em média mais sete anos que os homens, que constituem 85% da população total dos sem-abrigo, a maioria dos alcoólicos, da população prisional e das vítimas de crimes violentos? Que sistema patriarcal é este, em que nos cursos superiores os inscritos são maioritariamente do sexo feminino (segundo a pordata, foram cerca de 234 mil raparigas em 2022, para apenas 199 mil rapazes), com hegemonias tão avassaladoras como 76,8 % nas áreas da saúde e proteção social, 76,6% em educação, 60,5 % em artes e humanidades ou 60,3 % em ciências sociais, comércio e direito? Apenas nas ciências, matemática e informática; e nas indústrias transformadoras e construção estão as mulheres em minoria (escassa, no primeiro caso; larga, no segundo). Que sistema patriarcal é este, em que os homens se suicidam em média quatro vezes mais em média nos países ocidentais, sem que a imprensa ou opinião pública sequer atentem nessa situação, quanto mais empatizarem com ela (imagine-se se a estatística fosse inversa)?
Talvez Pilar pensasse no recente estudo da CGTP, segundo o qual as mulheres ganham 13% menos, em média. 13% de quê, exatamente? Isso o estudo não diz. Como também não refere o número de horas trabalhadas, as receitas geradas, as licenças de maternidade, as escolhas mais ou menos lucrativas de profissão. Limita-se a observar os valores totais, extrapolando em seguida as causas que pretensamente os justificam. Como não podia deixar de ser – a discriminação, essa filha bastarda do patriarcado!
Mas onde é que essa discriminação se verifica, concretamente? No setor público, sabemos que não é assim. As professoras não ganham menos que os professores, nem as juízas que os juízes, ou as enfermeiras que os enfermeiros – por trabalho igual! Se qualquer trabalhador público aceitar horas extra, receberá também, extraordinariamente, um pouco mais… No privado, tudo depende ainda da produtividade ou da disponibilidade para sacrificar a vida familiar às necessidades da empresa. E é isto que os números não mostram. A questão das chefias decorre também daqui.
Passemos às cotas. A premissa subjacente é a de que a ausência de paridade entre homens e mulheres em todas as atividades humanas concebíveis, implica necessariamente algum tipo de preconceito. Mas pergunto-me se as feministas pretendem impôr este seu suposto direito transversalmente. Estarão interessadas, por exemplo, numa representação equitativa em relação aos chamados (não por acaso) “homens do lixo”? E quanto à contrução civil ou forças armadas (especialmente em situação de conflito militar, como se verifica atualmente na Ucrânia)? Ou será que a lógica da igualdade se dilui quando estão em causa profissões com fracas remunerações, baixo prestígio social ou notório risco físico e mesmo de vida?
A indiferença generalizada em relação à verdadeira epidemia de suícidos masculinos no Ocidente constitui o exemplo mais trágico do desprezo pelos homens nas nossas sociedades. Segundo a OMS, em Portugal a taxa é de 3,5 mulheres para 12,6 homens por 100.000 habitantes. As causas mais salientes encontram-se classicamente no desemprego e na depressão, mas também são imputáveis ao sofrimento financeiro e psicológico causado por divórcios (iniciados em 2/3 dos casos por mulheres) ou à atribuição exorbitante das guardas às mães.
Definitivamente, o patriarcado é, entre nós, um mito. Está morto e enterrado. Mas não ignoremos a morte física dos homens, que com ele, infelizmente, cada vez mais se confundem.