“Arte modesta” de Hervé di Rosa apresenta-se ao público português no MAAT

©instagram.com/hervedirosa

Pinturas, esculturas, azulejos e uma coleção de peças, recolhidas pelo mundo, que vai do artesanato urbano vendido na rua até ao industrial, compõem a primeira exposição em Portugal do artista francês Hervé di Rosa, criador do conceito “Arte modesta”.

“Archipelago” é o título da exposição que o Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (MAAT), em Lisboa, inaugura na terça-feira e que estará aberta ao público entre 29 de março e 11 de setembro.

Com curadoria de Noëling Le Roux, a exposição faz um paralelismo com as viagens narradas por Júlio Verne, na medida em que convida o visitante e descobrir novos mundos, através do seu trabalho – que cruza pintura, escultura, azulejaria, banda desenhada e cultura pop – e das peças de artesanato que Hervé di Rosa tem adquirido pelo mundo e que coleciona, há mais de 40 anos.

A sua obra insere-se numa corrente artística que o próprio denominou como “Arte modesta”, que inclui todas as criações artísticas, incluindo as que foram postas à margem da arte reconhecida pelos museus, pela critica e pela história, como a banda desenhada, os fanzines, o cinema fantástico e a ficção científica, o universo visual do rock e do punk, a arte tradicional, a arte ingénua, a arte bruta, o psicadelismo ou a arte comercial, entre outros.

Cofundador da figuração livre, Hervé di Rosa recusa a hierarquia da “grande” arte sobre uma arte classificada como “menor” e imbuída de cultura popular, não fazendo distinção entre a arte nos museus e a arte de rua.

Este seu mundo artístico, que agora se apresenta no MAAT, faz parte da coleção do seu museu, MIAM – Musée International des Arts Modestes, localizado em Sete, França.

No entanto, Hervé di Rosa vive em Lisboa desde 2013, para onde veio trabalhar na fábrica de azulejos da Viúva Lamego, com o objetivo de ficar apenas quatro anos, mas de onde nunca mais quis sair, como contou o próprio, numa visita guiada.

Depois de paragens no México, Benim, Espanha, Vietname, Etiópia, Estados Unidos, Bulgária, África do Sul, República dos Camarões ou ainda nas ilhas da Reunião, Córsega, Cuba ou na Ilha Maurícia, o artista fixou-se em Lisboa, vindo de Sevilha (Espanha) após constatar que lá já não existiam fábricas de azulejos, relatou.

A azulejaria é apenas um dos estilos artísticos que explora, e dos quais se encontram vários exemplares na exposição, em painéis de pintados com personagens, maioritariamente já existentes e retiradas essencialmente da banda desenhada, mas que o artista recria, dando-lhes novas vidas e histórias.

“Há aqui desde coisas vendidas na rua por artesãos urbanos até arte rural e tradicional de fabrico industrial, como tapeçaria e olaria, mas também coleções de cromos, de bonecos de plástico, de capas de discos, tudo o que são coleções em massa do mundo industrial ou não industrial”, resumiu o diretor do MAAT, João Pinharanda.

As peças de Hervé di Rosa refletem a influência que bonecos e esculturas têm no seu universo criativo, com a figuração de diversas personagens em azulejos, tapeçarias ou em pasta de papel, mas também com uma coleção de bonecos pintados por artistas de todo o mundo, entre os quais se conta a portuguesa Júlia Cota.

Bonecos artesanais do México, uma coleção de livrinhos de literatura de cordel, trabalhos feitos por presos na Grécia, pinturas em madeira por artistas do Gana, Camboja e França, esculturas alusivas à espiritualidade, oriundas do México, Filipinas, Espanha e Índia, ou um manequim trajando um “vestuário de performance” feito a partir de amendoins, usado em Kinshasa, são algumas das peças em exposição.

Logo à chegada, o visitante é recebido por uma caravana pintada de amarelo, com a frase “Arts Modestes” pintada a vermelho, que transporta uma coleção de objetos, figuras de banda desenhada, super-heróis, robôs e monstros japoneses, lado a lado com um conjunto exuberante de cerâmicas de Vallauris (França).

Nas paredes do corredor que dá acesso à Galeria Oval do museu, apresentam-se os painéis de azulejos criados nas oficinas da fábrica da Viúva Lamego, bem como bandeiras com os mesmos motivos: figuras da cultura popular universal, da banda desenhada, cinema ou televisão.

Pendurados do teto, um conjunto de personagens em ponto grande fabricados em pasta de papel e, a flutuar sobre a sala, uma imensa estrela verde insuflável, com olhos e boca, batizada de “Ah! Ah! Ah!”, que pretende ser o “guardião da modéstia das artes”.

Chegando à galeria oval, é possível observar vários mapas concebidos por Hervé di Rosa que ilustram o “arquipélago das artes modestas”: o mar e ilhas representando, cada uma, as diferentes formas de arte.

Por toda a sala, que representa esse arquipélago, espalham-se então os expositores, com as diversas coleções expostas, que incluem figuras de plástico, globos de neve, corças de cerâmica, papéis de embalar fruta, mas também pássaros de madeira, publicações do artista ou objetos de culto.

O MAAT vai ter ainda em exposição durante o mesmo período outras duas mostras, ambas com curadoria do diretor do museu.

Uma delas é o mais recente projeto da artista visual Sandra Rocha, um conjunto de fotografias e de ecrãs-vídeo e som, que resulta de um encontro entre imagens fixas e em movimento, realizadas maioritariamente nos Açores, e de leituras que acompanham as suas pesquisas: Ovídio, Gaston Bachelard, Emmanuel Coccia e Jean-Christophe Bailly.

A artista, que “tem uma relação especial com a natureza e o feminino, aproximou-se da mitologia greco-romana e começou a ver qual era o papel da mulher nesse universo”, explicou João Pinharanda.

Pegando em histórias mitológicas, Sandra Rocha faz releituras “em torno da questão essencial que é a metamorfose”.

“Ovídio dava-me a possibilidade de, através da ficção, falar de assuntos entre humanos atuais e não resolvidos, como a violação das mulheres, o incesto, as injustiças amorosas ou os amores impossíveis”, revelou a artista.

A exposição “Da calma fez-se o vento”, titulo adaptado de um soneto de Vinicius de Moraes, coloca a figura humana no seu ambiente natural, reforçando-a com a presença do elemento água.

A outra exposição é da autoria de Ana Cardoso, finalista do Prémio Novos Artistas 2017, e explora ilusões de ótica criadas pela geometria das formas.

Com curadoria de João Pinharanda, “Leaky Abstraction” apresenta telas, em diversas formas geométricas, tingidas e tecidas manualmente, não pintadas, em complemento com telas industriais pintadas manualmente, por exemplo.

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