No espetáculo televisivo mais repugnante de que este país alguma vez foi cúmplice, José Alberto Carvalho (JAC, doravante) pediu recentemente desculpas, no final do telejornal que apresentava. Duas perguntas óbvias se impõem – porquê e a quem, exatamente?
A primeira resposta é conhecida: na sua crónica semanal de opinião na CNN Portugal, a propósito da eleição de um homem biológico como “Miss Portugal”, Miguel Sousa Tavares criticou o desfecho do concurso e afirmou que não se casaria com um transsexual. Provocado a concordar, JAC acedeu. A segunda resposta é mais extensa. Começou JAC, à boa maneira revolucionária francesa, a dirigir-se aos “cidadãos”: “A relação de confiança com os cidadãos é um dos requisitos para cumprir a minha profissão. Uma atitude irrefletida que cometi na quinta-feira passada, neste estúdio, abalou, para algumas pessoas, essa relação”. À parte a pobreza dos verbos escolhidos (“cumprir” a profissão, em vez de exercê-la; “cometer” uma atitude, em lugar de a tomar), repare-se na presunção inerente às premissas desta encenação pública de penitência masoquista – a opinião que ele, JAC, proferiu causou tal dano e prejuízo à sociedade (ou a parte dela), que ele não pode, em boa consciência e para a nossa paz de espírito, prosseguir pela porta estreita da verdade jornalística sem nos aliviar da dor que essa desilusão nos causou, penitenciando-se.
Prosseguiu com o segundo destinatário do seu “mea culpa”, o vencedor da “Miss Portugal” (não, não se trata de um erro de gramática: em 2023, o vencedor da “Miss Portugal” escreve-se mesmo no masculino): “Por uma razão importante: estava em causa uma pessoa. Chama-se Marina Machete, a vencedora do concurso Miss Portugal. O sofrimento ou a mágoa de qualquer pessoa deve ser evitado em todas as circunstâncias [a não ser que seja do CHEGA, não é JAC? Nesses pode-se bater à vontade. Imparcialmente, claro…]. Penalizo-me e peço desculpa se algum comportamento meu, ainda que não intencional, possa ter contribuído para isso em relação a ela, à sua família e aos seus amigos.”
Repare-se, no entanto, na ambiguidade desta declaração e na falta de coragem e de integridade que ela denuncia, precisamente na circunstância em que quem a proferiu se julga, por proferi-la, sobremaneira corajoso e moral. A pista está na gramática, mais precisamente na oração subordinada adverbial condicional: não há desculpas com “se”. O “se alguém se ofendeu, peço desculpa” é uma operação de “marketing”, uma cedência à pressão social (ou ao conformismo “woke”, no caso) – mas jamais uma confissão de arrependimento direto, sincero e desinteressado. JAC não se sente arrependido por dizer que não se casaria com um homem – tal como qualquer macho heterossexual o não sente, nem deve senti-lo. JAC quer, muito simplesmente, agradar a Deus e ao Diabo, dobrando o joelho contrito ao fascismo social do politicamente correto.
Porque das duas, uma: ou José Alberto está arrependido da sua natural inclinação enquanto macho heterossexual, caso em que deveria admiti-lo com firmeza e assumir que não lhe repugna sexualmente a restante amostra biológica XY da espécie; ou então não está arrependido e não tem de pedir desculpas, nem de se “penalizar” por isso (os verbos, a mendicidade dos verbos deste cidadão…).
Mas o pensamento mais ridiculamente desconcertante desta incoerente criatura ainda estava por pronunciar: “Quanto à opinião, ela é controversa por definição”. Afinal, JAC mantém a sua opinião? E apelida-a de controversa “por definição”? Mas qual definição, relativa a qual opinião, “a-que-teve-no-programa-anterior-e-que-agora-já-não-tem-mas-afinal-mantém”? Nesse caso, para quê as desculpas – não é JAC livre de a ter? Ou apenas de a exprimir? JAC rematou esta sua pomposa, cobarde e autocensória declaração com vivas à liberdade e hossanas a abril, declamando pelo meio palavras como “coragem” e “liberdade”. Definitivamente, o 25 de abril é o que um homem (ou uma mulher, ou um transexual) quiser!