Em declarações à agência Lusa a propósito do Dia do Médico de Família, que hoje se assinala, o bastonário da Ordem dos Médicos (OM), Carlos Cortes, lembrou a importância da Medicina Geral e Familiar (MGF) nos cuidados de saúde, não só pela atividade que desempenha, mas porque acaba por “aliviar os hospitais”.
“Tem um peso muito grande dos cuidados de saúde em Portugal (…) não só pela sua atividade direta na literacia, na promoção, na prevenção, na medicina humanizada, na medicina curativa e no acompanhamento da pessoa, da sua família e da comunidade, mas também porque alivia a pressão sobre os hospitais”, afirmou, sublinhando: “se houver cuidados de saúde primários capacitados os problemas de saúde dos doentes não se vão agudizar”.
No início de maio de 2024, estavam inscritos na Ordem dos Médicos 9.003 médicos com a especialidade de MGF, a maioria mulheres (5.788). Dos inscritos, mais de 45% (4.115) têm idade superior a 65 anos e 18% tem mais de 70 anos.
O bastonário sublinhou que o envelhecimento destes especialistas se relaciona com a falta de atratividade da carreira: “como as más condições de trabalho para os médicos, a más condições formativas, não há desenvolvimentos de projetos, nomeadamente de investigação”.
Ainda que ressalve tratar-se de matéria sindical, o bastonário reconhece a importância da “dignificação remuneratória”.
Os números da OM indicam que a MGF é a especialidade que tem ficado com mais vagas por preencher nos últimos anos, uma realidade que a Ordem considera “preocupante”.
Em 2023, das 617 vagas disponíveis, 165 (26,7%) ficaram por preencher.
“Apesar de a Ordem dos Médicos ter conseguido identificar, do ponto de vista formativo, um conjunto de vagas para especialidade, elas têm ficado desertas, fundamentalmente (…) pela falta de atratividade”, notou.
O bastonário salientou igualmente a importância da MGF na “medicina de proximidade”, revelando que esta foi a especialidade que “mais e melhor evoluiu nas ultimas décadas”.
Desde 2020, foram abertas 2.704 vagas para esta especialidade, um crescimento neste período superior a 25% no número de vagas. Contudo, sobretudo nos últimos dois anos, muitas têm ficado vazias.
Por seu lado, o presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), Nuno Jacinto, sublinhou o “hiato geracional” destes especialistas: “há muitos médicos de familia com mais de 60 anos e muitos dos 45 para baixo”.
Atribuiu esta situação à forma como foi orientada a entrada no curso de medicina ao longo dos anos, mas concordou que a grande causa é a falta de atratividade do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
“Agora, não são só os especialistas em MGF que não escolhem nenhuma vaga, são também os colegas no inicio do internato que preferem nem sequer fazer o internato e ficam a fazer outras coisas”, alertou.
Questionado sobre se a generalização das Unidades de Saúde Familiar (USF) modelo B (com pagamentos extra por objetivos) pode ajudar a atrair mais especialistas, disse que o que aconteceu “não foi uma verdadeira generalização do que existia”.
“Alterámos as regras de cálculo dos incentivos, a forma como esses indicadores são aplicados às remunerações e mudámos diversas coisas que, por um lado, dificultam o acesso a esses incentivos e, por outro, criam regras pelo menos questionáveis”, disse o responsável, dando o exemplo da relação entre a remuneração de todos os profissionais das USF à prescrição de exames e de medicamentos.
“Isto faz com que estas equipas não consigam chegar onde estavam as outras [das ULS anteriores] e as outras arriscam-se a baixar o que tinham (…). Acaba por não agradar a ninguém”, insistiu.
Disse que “o panorama continua pouco atrativo” e, mesmo com as medidas tomadas até agora, considerou que não é expectável que haja mudanças quanto a eventuais vagas vazias já no próximo concurso.