Na última década, a prática do aborto parece ter-se tornado um assunto mais ou menos consensual na sociedade portuguesa, pelo menos no que releva ao seu enquadramento legal e às causas justificativas que excluem a responsabilidade penal de quem o pratica (cfr. art.º 142.º, Código Penal). A ausência da sua discussão nos meios mais mediáticos traduz o grau de consensualidade (ou perigosa alienação) que adquiriu na nossa sociedade. Porém, a agenda abortista em Portugal não se cingiu às conquistas legais que já havia alcançado no passado. Paulatinamente, os termos técnicos foram-se alterando, procurando-se incutir na cabeça das pessoas a banalização do aborto. Na linguagem institucional, o que antes era aborto passou a ser «Interrupção Voluntária da Gravidez», e hoje, é meramente uma «IVG», a sigla de mais um procedimento médico a que uma mulher se submete num estabelecimento de saúde.
A discussão do aborto reveste especial sensibilidade e, por isso, não pretendo estar aqui a generalizar. No entanto, os sinais que nos chegam de fora são alarmantes. Vejamos alguns factos.
- A 4 de março de 2024, a Assembleia Nacional Francesa, aprovou como lei constitucional e, respetiva consagração na Constituição francesa, o «Direito à Interrupção Voluntária da Gravidez», que é o mesmo que dizer «o direito ao aborto»;
- Nesta senda, a 11 de abril de 2024, o Parlamento Europeu aprovou a Resolução B9-0205/2024, no sentido de incluir o direito ao aborto na Carta dos Direitos Fundamentais da UE;
- A 8 de maio de 2024, foi discutido na A.R., na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, um Projeto de Voto de Saudação à mencionada decisão do Parlamento Europeu. O Voto de Saudação foi chumbado com os votos contra do CHEGA e do PSD;
- Em junho de 2024, a primeira-ministra italiana Georgia Meloni travou a inclusão do direito ao aborto na declaração conjunta final da cimeira do G7.
Factos assentes, há uma discussão a que Portugal não poderá ficar alheio: o aborto é um crime ou é um direito? Sem entrar em grandes explicações, parece-me evidente que uma proposição invalida a outra. No nosso ordenamento jurídico, não obstante as já referidas causas justificativas que excluem a responsabilidade penal, o aborto é considerado um crime contra a vida intra-uterina, cujo bem que se procura proteger é exatamente «a vida intra-uterina», uma vida humana, ainda que num estágio de desenvolvimento não nascido e biologicamente completo.
A ênfase da discussão, no meu entendimento, não deve passar pela punição ou agravação da pena da mãe abortista, até porque a formulação do referendo de 2007 criou esse anátema conceptual, caricaturada numa célebre rábula por RAP, alusiva ao então comentador MRS e a plataforma “Assim Não”. A agenda abortista soube usar com eficácia, a retórica da punição da progenitora, como se todos aqueles que são contra o aborto quisessem andar por aí a prender e punir todas as mulheres que abortam. O resultado está à vista, a liberalização do aborto banalizou a sua prática.
Olhando uma vez mais para factos, segundo dados da Entidade Reguladora da Saúde, em 2022 foram praticados 15870 abortos por opção da mulher, nos estabelecimentos de saúde oficialmente reconhecidos, sendo mais acentuado na faixa etária dos 20 aos 24 anos. A solução do problema passa antes de mais por medidas sensibilizadoras e educativas, verdadeiramente a favor da vida. A discussão necessária, aos dias de hoje, deve ser feita com seriedade por médicos, enfermeiros, psicólogos, educadores e juristas, em concertação com outros setores da sociedade como as instituições religiosas. O recurso ao aborto nos nossos estabelecimentos de saúde deve levar forçosamente a mulher a um prévio programa de aconselhamento psicológico, além do chamado “período de reflexão”, cuja finalidade seja refletir e ponderar se o quer realizar efetivamente. Neste âmbito, o CHEGA poderá acompanhar a proposta dos nossos vizinhos espanhóis do Vox, propondo que os pais (mãe e pai) se submetam à auscultação do coração do feto, antes de tomar qualquer decisão final.
Estando para breve o início da nova legislatura no Parlamento Europeu, compete aos eurodeputados conservadores, das famílias políticas do ID e do ECR, revogar a Resolução que prevê a inclusão do aborto como um direito fundamental, e encetar um plano político-legislativo de defesa intransigente da vida e da família.
A vida em todas as suas manifestações, em qualquer estágio que se encontre, nascido ou nascituro, é por certo um alento de esperança que merece toda a tutela inerente à própria dignidade humana.