“O cofre da minha Mãe”. Este poderia ser o título de uma qualquer telenovela, com o típico enredo de vigarices e esquemas ardilosos de personagens com a ideia narcísica de se sentirem mais espertos que os outros. Ao longo de décadas, Portugal foi um país prodigo em casos de corrupção ou de favorecimentos nos vários governos, que mais cedo ou mais tarde vêm a público, ora por via de investigação judicial, ora por investigação de um órgão de comunicação social. Ainda assim, depois de tantos casos que levaram à demissão de vários políticos, esta telenovela nacional não pára de produzir novas temporadas, com episódios sempre renovados com mais enredos criativos, na arte do favorecimento pessoal. O enredo torna-se particularmente mais interessante e apelativo, quando a personagem é apanhada na teia dos favorecimentos que montou. Nesse episódio, as frases mais ouvidas são “não sei”, “não me lembro”, “não comento” e muitas mais frases evasivas, numa constante fuga à realidade dos factos. Depois, há outros tipos de personagens na política que são excelentes atores na representação do papel de vítima. A tradicional desculpa da “cabala” ou do ataque injusto e secreto com origem em forças do mal, que pretendem derrubar com difamação e rumores, um político super honesto e transparente. Existe, infelizmente, um número elevadíssimo de casos ao longo das últimas décadas de governação em Portugal. Desde o fax de Carlos Melancia na década de 80 quando embaraçou Mário Soares, o aluguer de paquetes para Expo 98 apenas para criar um embuste em troca de favorecimentos financeiros, o caso Bragaparques onde existiu uma permuta, mais que duvidosa, de terrenos do Parque Mayer e a antiga Feira Popular, o caso Freeport no qual o ex-Primeiro Ministro José Sócrates (na altura Ministro do Ambiente) foi investigado por um possível recebimento de “luvas” para facilitar o licenciamento do outlet, a operação Marquês na qual o ex-Primeiro Ministro José Sócrates é a figura central de um infinito esquema de favorecimento pessoal através de “um amigo”, o caso Manuel Pinho com as avenças do BES, as golas, os incêndios de Pedrogão, e tantos outros casos que, mais ou menos conhecidos, fizeram capa de jornais e abriram noticiários. Infelizmente, todos estes casos têm um denominador comum, lesar o Estado para próprio benefício financeiro. É sempre interessante, e chega a ser divertido, ouvir as mais diversas justificações na tentativa de disfarçar as dúvidas e questões que surgem quando surge mais um escândalo político. Desde a recorrente frase “isto é uma cabala”, passando pela tradicional “na vida sempre fui honesto” e terminando na melhor desculpa de sempre: “eu tenho um amigo”. De facto, a telenovela “Operação Marquês” foi sem dúvida a que nos trouxe um dos enredos mais completos e possivelmente um dos melhores actores nesta matéria. Na “Operação Marquês” podemos encontrar todas as desculpas possíveis quando uma personagem política está numa posição extremamente comprometida com os factos conhecidos. Desde a negação inicial que o mundo está unido para o derrubar, a tese da “cabala”, tudo é mentira, a vitimização levada ao extremo, até mesmo com uma narrativa que se fosse na ficção poderia ser candidato a um Óscar cinematográfico. Tudo e todos se juntaram, para em conjunto, iniciarem uma trama para derrubar um político sério, competente e honesto. Esta é a contra-argumentação da “vitima” política, um chorrilho de justificações, mais ou menos credíveis, consoante as habilidades de actuação do actor. As trocas de favores, a corrupção, o branqueamento de capitais e fuga ao fisco, são crimes demasiado graves para nos divertir quando assistíamos à defesa melodramática do ex-Primeiro Ministro José Sócrates. Ainda assim, ficará na história da política portuguesa os episódios: a casa do amigo em Paris, as centenas de livros comprados na FNAC só para atingir o TOP de vendas, as fotocópias e envelopes com dinheiro, o motorista particular que mais parecia um multibanco, os milhões na Suiça, o primo desaparecido e a Mãe do ex-Primeiro Ministro que lhe pedia dinheiro porque estava “depenadinha” mas tinha um cofre em casa! Este caso encerra todas as formas criativas de defesa do político a braços com casos polémicos ou duvidosos. Curiosamente, a maioria destas personagens políticas, aquando confrontados com estas dúvidas, sacam de si mesmos uma capacidade inata de encenarem uma vitimização, numa tentativa de influenciar a opinião pública e através da comoção, encontrar ali uma saída para o momento embaraçoso onde se encontram. Na minha opinião, esta manobra de vitimização revela essencialmente uma enorme falta de caracter e simultaneamente um estado de desespero. Esta manobra de vitimização foi encenada no Parlamento na Moção de Censura apresentada pelo CHEGA, na altura criticada por todos os Partidos por não fazer sentido, na qual o Primeiro Ministro Luís Montenegro enveredou pelo caminho cénico de realizar um episódio no qual uma pequena e modesta empresa familiar, apenas estava em funcionamento para gerir alguns terrenos rústicos e um património muito humilde que obteve por herança. A justificação do Primeiro Ministro era a de que estava a investir no futuro dos filhos e a ajudá-los a construir e a gerir da melhor forma o humilde património herdado, só isso! Quando um político diz repetidamente: “na minha vida sempre me pautei pela honestidade e transparência” é porque tem enorme necessidade de publicitar esse facto, mas a honestidade e transparência não se publicitam, são virtudes e características que acompanham a pessoa ao longo da sua vida social, profissional ou política. São características que não devem ser pronunciadas pelo próprio, além disso é algo que devia ser o comportamento normal numa sociedade evoluída e muito menos ser dito em jeito de autoelogio. Este é mais um caso no espectro político português, como habitualmente, começa com umas dúvidas, em seguida as dúvidas vão sendo mais densas e com o passar do tempo, invariavelmente, todos os casos acabam por mais cedo ou mais tarde, vir a público todos os factos que nos permite ter uma opinião formada sobre o caso. Este caso não é diferente. Começou com uma simples pergunta numa entrevista, em seguida ficámos a conhecer uma série de factos que colocam o Primeiro Ministro numa posição muito desconfortável e com a necessidade imperativa de esclarecer o País, mas a atitude que o Primeiro Ministro tomou foi a da maioria das personagens políticas têm tomado ao longo das últimas décadas: a vitimização. Por outro lado, o seu Partido elaborou uma encenação patética para a Moção de Censura, na qual vários deputados do PSD leram uma cartilha de desvio de atenções e com uma repetida frase no final. Quer o Governo, quer o PSD utilizaram também uma típica tática na política, quando é necessário desviar as atenções de um caso embaraçoso, a manobra de diversão. Desta vez, introduziram o tema do imobiliário, aproveitando assim a Lei dos Solos e a demissão do Secretário de Estado para confundir os temas e tentando passar uma ideia de que o que estava em causa com o Primeiro Ministro seria um possível conflito de interesses com as leis do solo, pois este possuía alguns terrenos rústicos. A narrativa passou a ser cada vez mais próxima da tão tristemente utilizada por José Sócrates. A utilização da vitimização mesclada com a tocante descrição de uma família humilde portuguesa. A comunicação que o Primeiro Ministro faz ao país demonstra, a falta de seriedade quando diz que já esclareceu tudo, a falta de honradez quando se vitimiza e a falta de coragem quando empurra para o Parlamento a decisão sobre o futuro político do país. O Primeiro Ministro não explicou nada, nem respondeu a nenhuma pergunta importante e decisiva para esclarecer cabalmente este caso. Tudo o que sabemos é através da comunicação social e o Primeiro Ministro limita-se apenas a dizer que é sério e transparente, com justificações totalmente irrelevantes, dando um enfase exacerbado a temas sem qualquer importância, como os humildes terrenos rústicos com algumas arvores de fruto e nenhuma explicação relevante referente sobre o tema mais importante, as avenças mensais que a sua “humilde e pequena” empresa familiar recebe. Aliás, esta decisão de passar a empresa, exclusivamente, para o nome dos filhos, só vem demonstrar a ilicitude e a gravíssima falta de ética na qual estaria a funcionar. Por fim, depositar no Parlamento a responsabilidade do futuro político do país, criando assim uma enorme crise política, que foi o próprio a criar, só demonstra uma enorme falta de coragem política, em assumir com frontalidade as suas responsabilidades. Perante tudo o que já sabemos e o que ainda falta descobrir, só existia uma decisão honrada, a demissão! Uma possível apresentação de uma Moção de Confiança por parte do Governo, demonstra uma enorme falta de coragem política, quer na enigmática e confusa declaração na conferencia de imprensa, não se comprometendo sequer com essa opção, quer pela tremenda falta de sentido de Estado, e aproveitando o resultado da votação, irá escudar-se por detrás de uma de duas narrativas. Se a Moção de Confiança passar dirá que a Assembleia mantem a confiança no Governo e na atuação do Primeiro Ministro, se a Moção for chumbada dirá que a culpa da crise política será dos Partidos que derrubaram o Governo e empurram assim o país para mais uma crise política e consequente eleições. Este era o momento político pelo qual o Primeiro Ministro aguardava, forçar eleições para tentar melhorar a sua própria estabilidade política no Governo, só demonstra uma total falta de sentido de Estado. Pior, irá para campanha eleitoral utilizando mais um episódio da triste e repetida telenovela: a vítima. Se José Sócrates era conhecido na política como um “animal feroz”, Luís Montenegro ficará conhecido por “animal veloz”, veloz porque foge com rapidez a todas as responsabilidades que deve ter um político, principalmente sendo Primeiro Ministro! José Sócrates tinha o “cofre da Mãe”, Luís Montenegro tem as roletas do Casino, mas por sorte, dão-lhe sempre dinheiro! O Partido CHEGA teve um enorme sentido de Estado, mesmo contra toda a narrativa instalada na comunicação social e dos restantes Partidos, afinal, perante a informação que já tinha vindo a público, era mais que evidente que a Moção de Censura apresentada pelo CHEGA tinha toda a justificação. Nós, Conservadores, somos chatos, mas no final, temos sempre razão!