REDE DE REFERENCIAÇÃO HOSPITALAR: Demografia, Diferenciação e Classificação

A Lei n.º 2011, de 2 de abril de 1946, estabeleceu a organização dos serviços prestadores de cuidados de saúde então existentes, recorrendo ao critério geográfico — a Área Geográfica de Influência — para definir a tipologia de cada unidade hospitalar e o tipo de assistência garantida em cada nível da rede hospitalar.

O Estatuto Hospitalar, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48 357, de 27 de abril de 1968, consolidou os princípios orientadores da organização hospitalar. O seu artigo 7.º classificava os estabelecimentos como Centrais, Regionais ou Sub-regionais, em função da área territorial abrangida e da respetiva população dependente, refletindo assim as responsabilidades médico-cirúrgicas atribuídas a cada nível.

Com a criação do Serviço Nacional de Saúde (SNS), pela Lei n.º 56/79, de 15 de setembro, verificou-se, a partir de 1986, uma evolução significativa na organização hospitalar, acompanhada da elaboração da Carta Hospitalar Portuguesa, cujos princípios influenciaram o Estatuto do SNS de 1993. Este estatuto determinou que:
“As instituições e os serviços integrados do SNS são classificados segundo a natureza das suas responsabilidades e o quadro de valências efetivamente exercidas”.

Posteriormente, o Despacho n.º 727/2007, de 15 de janeiro, e o Despacho n.º 5414/2008, de 28 de janeiro, definiram a tipologia dos Serviços de Urgência, estruturando a Rede de Referenciação de Urgência/Emergência em três níveis hierárquicos:

1-Urgência Polivalente,
2-Urgência Médico-Cirúrgica e
3-Urgência Básica.

A Portaria n.º 82/2014, de 10 de abril, estabeleceu os critérios que permitem categorizar os serviços e estabelecimentos do SNS, de acordo com a natureza das suas responsabilidades e quadro de valências exercidas e o seu posicionamento da rede hospitalar e procedeu á sua classificação. A Portaria nº 147/2016, de 19 de maio, estabeleceu o processo de classificação dos hospitais, centros hospitalares e unidades locais de saúde do SNS e definiu o processo de criação e revisão das Redes de Referenciação Hospitalar. Consequentemente, estas duas portarias defeniram a categorização moderna do parque hospitalar nacional e orientaram o respetivo planeamento estratégico. Esta classificação assenta essencialmente em critérios de:
dimensão e características da população dependente, necessidades de saúde das comunidades, complementaridade e articulação dentro da rede hospitalar. Também, de acordo com estas portarias, os estabelecimentos hospitalares são classificados nos Grupos I, II e III, consoante a complexidade da resposta assistencial e a hierarquia funcional no SNS.

Hospitais dos Grupos II e III possuem áreas de influência direta e indireta, sendo que os do Grupo III prestam cuidados às populações pertencentes às áreas diretas de hospitais dos Grupos I e II.

Os hospitais, centros hospitalares e unidades locais de saúde classificam-se em grupos, de acordo com as respectivas especialidades desenvolvidas, a população abrangida, a capacidade de formação, a diferenciação dos recursos humanos, o modelo de financiamento, a classificação dos seus serviços de urgência e a complexidade da produção hospitalar.

O objetivo central deste modelo é garantir ao SNS estabilidade, coerência organizativa e excelência clínica, ajustando a oferta de cuidados às necessidades populacionais.

O Plano Nacional de Saúde 2012-2016 ( extensão a 2020 ) definiu como um dos seus eixos prioritários a equidade e o acesso adequado aos cuidados de saúde, e a qualidade em saúde, propondo orientações estratégicas, designadamente o reforço da articulação dos serviços de saúde mediante a reorganização dos cuidados de saúde primários, hospitalares e continuados integrados, consolindando uma rede de prestação de cuidados integrada e eficiente.

A Classificação Hospitalar por Letras ( A,B,C,D,E,F ) é um modelo técnico usado para medir a diferenciação e complexidade assistencial. Este modelo organiza 9os hospitais por grau crescente de diferenciação, tecnologia, complexidade dos doentes e valências altamente especializadas.

Grupo F – Máxima diferenciação específica
Hospitais especializados ou centros nacionais de referência.
Características:
Alta complexidade clínica;
Valências altamente especializadas;,
Tratamentos diferenciados (oncologia, radioterapia, hematologia, transplantes específicos)
Tecnologia avançada e equipas altamente especializadas;
Papel nacional de referência.
Exemplo:
IPO (Porto, Coimbra, Lisboa)
Estes hospitais não são maiores em tamanho, mas têm uma elevada diferenciação em áreas específicas da Oncologia.

Grupo E – Muito alta diferenciação
Hospitais centrais altamente especializados e com multidisciplinaridade
Inclui:
Hospitais universitários
Grandes centros de referência de
Neurocirurgia, Cirurgia Cardiotorácica, Cirurgia Plástica Reconstrutiva e Estética ( Microcirurgia, Cirurgia Craniomaxilofacial, Reimplantação, Linfedema, Cirurgia Pós-Bariátrica, Reconstrução Mamária), Cardiologia de Intervenção, Cuidados Intensivos Diferenciados, Cirurgia de elevada complexidade
Exemplos típicos:
.ULSUSão João
.ULSUCoimbra
.ULSULNorte – Hospital Santa Maria
. ULSLCentral – Hospital São José
.A ULSGaia/Espinho, por ter um hospital central com todas as especificidades, diferenciações e multidisciplinaridades anteriores, ser garante de uma Urgência Polivalente com Centro de Trauma Nível 1, com a única Via Verde de Reimplantação a nível nacional, ter ligação universitária e garantir a cobertura da População do 3o maior Concelho de Portugal deve ser alocada a este grupo E ( correspondência ao grupo III )
por mérito técnico-científico, geografia – necessidade populacional e equidade, providenciando assim, integração, eficiência e qualidade em saúde na rede de prestação de cuidados de saúde do SNS regional e nacional.

Grupo D –Alta e Intermédia diferenciação
Hospitais com forte capacidade médica e cirúrgica, mas não com o nível de super-especialização dos grupos superiores.
Características:
Diversas especialidades
Casemix elevado
Urgência polivalente ou médico-cirúrgica
Suporte a outros hospitais da região

Grupo C – Diferenciação moderada
Hospitais intermédios.
Inclui:
Especialidades essenciais
Alguns serviços diferenciados
Urgência médico-cirúrgica

Grupo B – Baixa diferenciação
Hospitais de proximidade com menor número de valências.
Inclui:
Especialidades básicas
Menor volume cirúrgico
População dependente mais reduzida

Grupo A – Mínima diferenciação
Unidades hospitalares ou serviços com funções de base.
Inclui:
Pequenos hospitais locais
Atividade especializada limitada
Foco em cuidados fundamentais e suporte aos cuidados primários

A avaliação do desempenho hospitalar tem recorrido ao benchmarking clínico, metodologia objetiva que compara instituições segundo critérios como dimensão, complexidade, demora média, número de médicos e serviços clínicos. Em Portugal, destaca-se a metodologia IASIST, utilizada de forma consistente há mais de uma década.
Segundo relatórios IASIST (2013), foram identificados 30 hospitais ibéricos de elevado desempenho, destacando-se, no contexto nacional:
PORTO: CHUSão João e CHUSanto António
GAIA: CHGaia/Espinho
COIMBRA: CHUCoimbra
LISBOA: CHUSanta Maria e CHUSão José

O artigo 5 do Decreto-Lei n.o 52/2022 de 4 de agosto veio determinar que os estabelecimentos e serviços do SNS devem orientar o respectivo funcionamento pela proximidade da prestação, pela integração de cuidados e pela articulação das respostas.
Acresce a relevância do Decreto-Lei n.o 102/2023 de 7 de novembro o qual procedeu á criação de 39 Unidades Locais de Saúde – ULS. Este conceito estruturante tem como bases organizacionais : a realização do direito fundamental á protecção da saúde, o aumento do acesso e da eficiência do SNS na prestação dos cuidados de saúde, a gestão integrada de cuidados de saúde primários e cuidados hospitalares e a centralidade na pessoa. Este conceito organizacional permite que os SUP/CT – Serviços de Urgência Polivalente com Centros de Trauma e Emergência tenham uma efectiva capacidade de cobertura e complementaridade regionais e articulação nacional.

As regiões ficariam hierarquicamente estruturadas de forma clara :
NORTE :
Bragança – ULS Nordeste; Vila Real – ULS Trás-os-Montes e Alto Douro; Braga – ULS Braga ; Porto – ULS São João, ULS Santo António ; Gaia – ULS Gaia /Espinho;
CENTRO :
Coimbra -ULS Coimbra; Covilhã
ULS Cova da Beira;
Aveiro-ULS Região de Aveiro;
SUL :
Lisboa –
ULS Santa Maria, ULS São José, ULS Lisboa Ocidental, ULS Amadora/Sintra; Portalegre- ULS Alto Alentejo, Évora – ULS Alentejo Central; Beja-ULS Baixo Alentejo,Faro-ULS Algarve
Esta reorganização permitirá também a centralização com sustentabilidade das Urgências de Obstétricia ( premência ) pela realocação geográfica das equipes obstétricas actualmente disponíveis
Consequentemente urge um movimento de acreditações e reorganização do SNS centrado na pessoa, sendo necessário a reclassificação das ULS mediante critérios geográficos, populações dependentes, acessibilidades e diferenciações com implicações positivas no SNS na equidade e qualidade em saúde das populações.

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