O começo do “estado de graça” ou o princípio do “estado de desgraça”?

Começo por citar Abraham Lincoln, no seu famoso discurso de Gettysburg, em que sintetizou a essência da democracia ao proclamar que ela é “o governo do povo, pelo povo, para o povo”. Essa citação ressoa até os dias de hoje como uma afirmação poderosa da natureza participativa e inclusiva da democracia.

 No entanto, a prática democrática muitas vezes desvia-se desse ideal, criando desafios e dilemas que testam os seus fundamentos.

  Por norma, a entrada em funções de um Governo costuma ser marcada por um clima de esperança e expectativa por parte da população, ansiosa por ver as promessas de mudança política concretizadas. Este período, conhecido como “Estado de Graça”, reflecte a boa vontade inicial em torno do executivo recém-eleito. No entanto, os recentes acontecimentos relacionados com a eleição do Presidente da Assembleia da República, só eleito à quarta votação, revelaram um grave erro de análise por parte de Luís Montenegro, em relação ao contexto político pós-eleições de 10 de Março. 

Às vezes, os vencedores das eleições por margens estreitas (governo da AD), governam como se tivessem uma clara maioria absoluta, não respeitando deste modo a vontade do povo. Quando os partidos não conseguem concordar sobre questões tão simples e básicas, como a escolha do Presidente da Assembleia da Republica, os resultados acabam por se tornar caóticos, minando a estabilidade política do país. Nesses momentos, os partidos políticos muitas vezes recorrem a estratégias bastantes questionáveis, como a manipulação e falsificação, para alcançar os seus objectivos, comprometendo assim a integridade do processo de decisão democrática.

Mesmo quando um aparente consenso é alcançado, ele acaba por ser revelar frágil e facilmente desfeito por novas discordâncias. De pouco adianta o Hugo Soares vir dizer “ queremos negociar com todos os partidos” apelando dessa forma à maturidade e sentido de estado dos restantes partidos, quando depois temos nomes como o de Nuno Melo e Paulo Rangel a dizer que “não há qualquer tipo de acordo com o Chega”. O que presenciamos durante essas 24 horas, foi uma trágica comédia Grega de erros, mostrando uma notória falta de preparação e capacidade por parte da AD em construir pontos de diálogo com os restantes partidos, culminando com o PSD a humilhar-se perante o PS, implorando por uma saída para o caos que eles próprios criaram.

Este episódio lamentável não só enfraquece a credibilidade do PSD, mas também mina a confiança de todos os portugueses no governo da AD, criando o prenúncio do que aguarda o país nos próximos meses: um verdadeiro “ESTADO DE (DÊS)GRAÇA GOVERNATIVA” onde a incompetência e a falta de liderança parecem ser a norma. Onde o povo português, mais uma vez, é quem paga o preço por esta trágica falta de visão e competência política.

 “O governo não do povo,  não pelo povo, não para o povo”.

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