Guterres portou-se como homem de esquerda, talvez para comprar favores dos países islâmicos

A esquerda acha-se no direito de lutar por quaisquer meios (…) o que significa que o terrorismo de esquerda se torna aceitável.

Casado e pai de duas filhas, Luiz de Lacerda foi deputado pela AD com Francisco Sá Carneiro. Doutorou-se em Ciências Sociais nos EUA e exerceu docência na área da Geoestratégia em vários países, tendo sido vice-reitor de uma universidade suíça.

O bárbaro ataque terrorista levado a cabo pelo Hamas sobre Israel a 7 de outubro tem merecido reações diferentes à esquerda e à direita. O que explica estas divergências, tendo em conta que se trata de um ataque terrorista?

O contexto histórico explica amplamente a diferença de reacções entre a esquerda e a direita. Embora a defunta URSS tivesse sido um dos primeiros países a reconhecer Israel, os seus interesses estratégicos e a instauração de regimes antiocidentais em vários países árabes levaram-na a alinhar progressivamente por estes. Por seu lado, Israel evoluiu em sentido contrário, aproximando-se dos Estados Unidos. Ora a esquerda em geral sempre adoptou, nas questões internacionais, perspectivas próximas das da URSS. E, consequentemente, sempre viu os israelitas como “lacaios do capitalismo” em contraponto com os “pobres explorados e vítimas do neocolonialismo” árabes. Dentro da sua perspectiva maniqueísta e de luta de classes, Israel surge com o rótulo de potência exploradora, colonialista e ocupante, enquanto os países árabes são vistos como os explorados. E os explorados, para eles, têm o direito de lutar por quaisquer meios contra os exploradores, o que significa que o terrorismo de esquerda se torna aceitável.  

Parece haver um alinhamento estratégico cada vez mais estreito entre a Rússia e o Irão relativamente à invasão desta à Ucrânia, e agora no conflito israelo-palestiniano. Podemos estar prestes a entrar num cenário de ‘guerra mundial’?

Não acredito num cenário de guerra mundial. A dissuasão nuclear que funcionou durante a Guerra Fria não desapareceu de um momento para o outro. Se a Rússia, como o Irão, tem armas nucleares, os Estados Unido, como Israel, também as têm. E todos sabem que um confronto nuclear pode ditar o fim da espécie humana, porque para cada ataque haverá uma retaliação. O que há aqui é a Rússia a aplicar a estratégia adoptada pela velha URSS: face a um confronto onde se encontra em situação difícil (o da Ucrânia), vai fomentando outros focos de instabilidade, outros conflitos regionais, que façam com que o inimigo (o Ocidente) divida as suas forças e comece a ter dificuldades com a sua logística, por ter de se repartir por diversos teatros. 

O conflito israelo-palestiniano arrasta-se há anos. É possível uma solução pacífica, que passe pela existência de dois estados?

A solução dos dois estados seria a solução ideal. No entanto, vejo poucas perspectivas de se realizar num futuro próximo. Os israelitas deram, ao longo dos anos, vários passos nesse sentido, mas a resposta do outro lado deixou sempre a desejar. Israel quer viver e deixar viver. Os palestinianos querem, pura e simplesmente, eliminar Israel. E a maioria dos Estados árabes quer o mesmo, até por questões de estabilidade interna. Embora o factor religioso seja importante, há outro que muita gente ignora: ninguém quer ter os palestinianos no seu quintal, por muito “irmãos” que sejam. 

António Guterres, referiu num discurso recente que “o povo palestiniano foi sujeito a 56 anos de ocupação sufocante”, tendo sido duramente criticado por Israel. Esta afirmação faz sentido, sobretudo tendo em conta o contexto em que é dita?

É uma declaração profundamente infeliz. Em primeiro lugar porque não é inteiramente justa. É certo que Israel tem ocupado territórios árabes. Mas a parte inicial do seu território foi literalmente comprada aos árabes, que alegremente venderam caro zonas que consideravam inóspitas. Todos os territórios que Israel ocupou após a sua independência fê-lo na sequência de guerras em que não foi o agressor e no sentido de assegurar a sua segurança. E em segundo lugar porque, ao apoiar implicitamente uma das partes em conflito, alienou totalmente a possibilidade de a ONU ou ele próprio virem a exercer qualquer tipo de mediação. Funcionou como homem de esquerda que é, talvez para comprar os favores e os votos dos países islâmicos em futuras votações e eleições… 

Temos visto várias manifestações pró-Palestina em toda a Europa, muitas delas acabando em cenas de violência contra judeus. Existe o risco de crescimento do antissemitismo?            

O anti-semitismo tem fortes raízes históricas, mas não penso que esteja a ressurgir como fenómeno de massas, sobretudo no Ocidente. A esquerda sempre teve alguma inclinação para o anti-semitismo, vendo o judeu como o usurário e o explorador. Só que hoje há uma entidade nacional para concentrar todos os ódios, o Estado de Israel. Haverá alguns exaltados que pintarão suásticas ou estrelas de David em algumas casas ou que profanarão cemitérios. E há e haverá manifestações onde a irracionalidade da turba a levará a partir e a destruir, seja qual for o pretexto. Mas sejamos claros, a esquerda não se pode dar ao luxo de hostilizar judeus individualmente, porque é nessa comunidade que se encontram alguns dos seus mais importantes financiadores e alguns dos seus mais brilhantes intelectuais. E a direita, até pelo estigma do nazismo, há muito se absteve de o fazer. 

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Licenciado em Engenharia Zootécnica, Luís Mira é Secretário-Geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) desde 1999 e Membro do Conselho Económico e Social (CES). É ainda Membro do Conselho Económico e Social Europeu (CESE), desde 2006.
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osé Bourdain nasceu em Lisboa em 1971. É licenciado em Gestão de Recursos Humanos e Mestre em Ciência Política. Iniciou a sua atividade profissional aos 16 anos no sector social/saúde/educação e fundou a Cercitop (cooperativa sem fins lucrativos) em 1998, onde é o Presidente do Conselho de Administração. Em 2013 criou a Tourism for All – Operador Turístico que trabalha o Turismo Para pessoas com deficiência e ajudou a fundar a Associação Nacional dos Cuidados Continuados em 2017, sendo o seu Presidente desde essa data.
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