A certeza da vitória do PP nas legislativas espanholas de domingo reinava entre os militantes reunidos num comício na terça-feira em Ávila, que foram advertidos do palco que nada está garantido e “é preciso evitar um susto”.
“Não nos devemos fiar nas sondagens e cair num excesso de confiança. É preciso evitar um susto no dia 24”, o dia seguinte às eleições, disse o presidente do Governo Regional de Castela e Leão, Alfonso Fernández Mañueco, às cerca de 400 pessoas que na terça-feira à noite foram a um comício do Partido Popular (PP, direita) em Ávila que teve como “cabeça de cartaz” o ex-primeiro-ministro Mariano Rajoy.
Pouco antes da chegada de Mañueco e Rajoy ao comício, os militantes que os esperavam foram repetindo à Lusa que o PP “vai ganhar de certeza” as eleições de domingo.
Alguns, como Irene, de 23 anos, acreditam que a vitória do PP será tal que nem vai ser necessária uma coligação com o VOX, de direita radical, para os populares voltarem ao poder.
A perspetiva de o VOX entrar no Governo de Espanha não assusta, porém, Irene, que vive numa comunidade autónoma, Castela e Leão, no noroeste de Espanha, que tem um governo regional de que já faz parte a direita radical.
Foi em abril de 2022 que o governo de coligação PP/VOX de Castela e Leão tomou posse, liderado por Alfonso Fernández Mañueco, que no comício de terça-feira insistiu na mensagem que os dirigentes do partido têm reforçado nesta campanha: “o único voto útil e eficaz” é nos populares e é preciso “concentrar toda a força do voto” no PP.
O líder do PP, Alberto Núñez Feijóo, tem pedido claramente uma maioria “para não depender dos extremos”, que “sabem bloquear, mas não sabem governar”.
Irene, que está a preparar o concurso para entrar na Administração Pública, garantiu à Lusa que não viu “grande diferença” na atuação do governo regional de Castela e Leão por causa do VOX e considerou que polémicas que chegaram a jornais de toda a Espanha e de outros países relacionadas com o aborto, por exemplo, “são só discursos”, que nunca se concretizaram.
“Os acordos são pontuais, o VOX não fez barbaridades. Há votações e acordos, nada como as concessões aos comunistas e terroristas”, disse Juan Carlos, 65 anos, funcionário público.
Juan Carlos referia-se à coligação atual no Governo de Espanha, do partido socialista (PSOE) e da plataforma de extrema-esquerda Unidas Podemos, que dependeu de formações independentistas bascas e catalãs para ser investido pelo parlamento e para aprovar leis como os orçamentos do Estado.
Já António, de 61 anos, professor no ensino secundário, sente-se “muitíssimo incomodado” com os acordos do PP com o VOX, mas isso não o demove de votar nos populares.
António já votou no PSOE, “gostava do partido socialista de Felipe González, mais ao centro”. Mas o PSOE colou-se “demasiado à esquerda” e António passou a votar no Cidadãos, de centro-direita, que após sucessivas derrotas eleitorais acabou por nem se apresentar nestas eleições.
António vai por isso votar agora no PP e em Feijóo, de quem “não desgosta”.
“Gosto do centro”, insistiu, para justificar o voto num candidato que cultiva a imagem de moderado e conciliador.
O caso de António é o de quase todas as pessoas que nas passadas eleições nacionais espanholas, de 2019, votaram no Cidadãos.
Segundo os estudos, com o desaparecimento deste partido, que tinha 10 deputados na última legislatura, haverá uma passagem direta dos votos para o PP, sendo esta uma das razões para o crescimento dos populares este ano.
Os estudos revelam também uma transferência de votos com relevância do PSOE, em que António já votou, para o PP, em quem agora vai votar, ao contrário da mulher, Isabel, de 60 anos.
Isabel não gosta especialmente do atual líder dos socialistas e primeiro-ministro, Pedro Sánchez, mas “o socialismo são ideias e este senhor não é eterno”. Nega-se a votar “à direita” e, por isso, vai manter o seu voto fiel no PSOE.
A Sánchez critica-lhe o que considera terem sido demasiadas cedências à fação de extrema-esquerda do Governo, embora reconheça que não foi uma legislatura fácil, dependente de muitas negociações com outros partidos e num cenário de pandemia e efeitos da guerra na Ucrânia.
Já Pablo, de 24 anos, estudante universitário, critica em Sánchez, sobretudo, “o questionamento da integridade do país”, com acordos e cedências a separatistas com que “cruzou linhas que disse que não ia cruzar”.
“É um presidente que nos mentiu”, defendeu Pablo, que preferia um governo só com o PP e que tem em relação ao VOX “alguns reparos em certos aspetos”, como as propostas para eliminar as autonomias ou as posições “severas” em relação ao aborto e à eutanásia da direita radical.
Pablo disse que se questiona “até que ponto serão as ideias do PP decisivas ou até que ponto se vai deixar influenciar” pelo VOX, mas concluiu que “pelo menos, há a garantia da defesa da unidade de Espanha”.
O protagonismo dos partidos independentistas na última legislatura é uma das críticas mais permanentes e mais duras feitas a Pedro Sánchez pelos dirigentes do PP, que transformaram a frase “revogar o sanchismo” no principal ‘slogan’ da campanha.
Mariano Rajoy, que os militantes do PP de Ávila disseram ver como “um claro exemplo” a seguir por Feijóo, sintetizou assim o que significa o ‘sanchismo’ para os populares: “Gerou-se uma divisão entre espanhóis que nunca se tinha visto” na democracia com uma atuação “para polarizar a sociedade”.
Para Rajoy, o que Espanha precisa agora é algo que Feijóo lhe pode garantir: “Sossego”.