Nota prévia: o texto que se segue é uma sátira política e uma ficção humorística que exagera estereótipos e ideias para provocar reflexão e, sobretudo, criar boa disposição no leitor. Se ficou ofendido… é porque o teste correu mal.
Num tempo em que o Bloco de Esquerda tenta recompor-se dos desastrosos resultados das últimas legislativas — perdendo eleitores, militantes e, em alguns casos, a noção — eu, Maria das Dores Silva Candidata, decidi ligar para a sede do partido. O objetivo era simples: perceber o que é preciso para me tornar militante. O que se seguiu foi a entrevista que deixo abaixo.
E atenção: qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. É só sátira… baseada em observação empírica (e alguma experiência traumática).
Maria Candidata: Boa tarde. Estou a ligar para o Bloco de Esquerda, certo?
João Palestinas: Boa tarde. É sim. Fala João Palestinas. Em que posso ajudar?
Maria Candidata: O meu nome é Maria Candidata e gostaria de me tornar militante. O que é necessário?
João Palestinas: Veio na altura certa pois existe uma promoção e os militantes já não pagam quota. Só precisa de passar no nosso teste de compatibilidade ideológica. Aceita?
Maria Candidata: Vamos a isso.
João Palestinas: Primeira pergunta: identifica-se como: gay, lésbica, não binário ou, infelizmente, heterossexual?
Maria Candidata: Sou heterossexual…
João Palestinas: Hmmm… risco elevado de ser fascista. Quer tentar outra vez?
Maria Candidata: Pronto, ok, sou lésbica.
João Palestinas: Resposta certa. Vamos continuar. Acha que os ciganos devem ser acarinhados por todos, continuar sem trabalhar e viver de subsídios?
Maria Candidata: Talvez trabalhar também fosse importante?
João Palestinas: Trabalhar? Que visão capitalista é essa, Maria Candidata? A comunidade cigana tem uma cultura própria, e essa cultura inclui comportamentos peculiares e liberdade de horários.
Maria Candidata: Tem razão. Se muitos trabalharem, acho que conseguimos que eles sejam poupados.
João Palestinas: Muito bem. Próxima questão: Concorda com a ocupação de casas de férias ou casas vazias desde que não seja a sua?
Maria Candidata: Sim. Desde que não toquem na minha, está tudo bem.
João Palestinas: Resposta certíssima. Vamos agora à questão da higiene. Quantas vezes toma banho por mês?
Maria Candidata: Todos os dias.
João Palestinas: Todos os dias? Minha senhora, tem noção de que está a destruir o planeta com esse luxo capitalista? Ainda bem que a Greta Thunberg não está aqui a ouvir esta conversa pois já estaria em lágrimas. Com que então é daquelas que contribui para o desperdício de água, hum?
Maria Candidata: Peço desculpa. Agora, estou a sentir-me suja por dentro.
João Palestinas: Vamos continuar. E agora, uma pergunta sobre as causas sociais: costuma ir à Marcha do Orgulho LGBT?
Maria Candidata: Nunca fui mas não me importo de começar a ir… não tenho é nada com essas cores. Posso levar uma bandeira de Portugal?
João Palestinas: Desculpe? Só aceitamos bandeiras arco-íris, trans, não-binárias e de países que não existem. A de Portugal é opressora e, pior ainda… nacional.
Próxima: sente-se disponível para vandalizar lojas da Zara ou da H&M em nome da justiça climática?
Maria Candidata: Prefiro ficar-me pela reciclagem, se não se importa.
João Palestinas: Reciclagem? Mas que falta de empenho revolucionário é esse? Isto está a ficar muito tremido para si, Maria Candidata…
E quanto à imigração: defende que Portugal deve abolir fronteiras e acolher todos, mas todos mesmo?
Maria Candidata: Todos?
João Palestinas: Sim?
Maria Candidata: Mas… mas se já não temos casas, nem médicos, nem professores para aqueles que já cá estão?
João Palestinas: Isso é uma visão puramente fascista!
Maria Candidata: Peço desculpa.
João Palestinas: Agora vamos a uma questão sobre o futuro económico do país. Como sabe, a nossa coordenadora é formada em economia. Concorda com: sair da União Europeia, imprimir dinheiro à vontade e trabalhar apenas 2 dias por semana?
Maria Candidata: Desculpe lá. Eu sou apenas uma simples auxiliar de enfermagem mas até eu acho que isso é só parvo.
João Palestinas: Parvo é o capitalismo, minha senhora. E não precisamos de continuar o teste. Está reprovada.
No final do teste, fiquei com duas certezas: a primeira, é que nunca cheirarei a revolução suficiente para pertencer ao Bloco de Esquerda; a segunda, é que talvez ser conservadora e acreditar na família, trabalhar e ter bom senso já me coloque automaticamente do lado errado da história.
Fica o aviso: se quer ser militante do Bloco, deixe o desodorizante, a dúvida e o raciocínio crítico à porta. E lembre-se: se disser “sim” a tudo, entra. Se pensar duas vezes… vai começar a pender para a direita sem querer.