A esquerda e a democracia

A esquerda portuguesa está muito preocupada, ou diz estar, com a destruição da democracia política. E utiliza este chavão para atacar quem se lhe opõe no plano das ideias. Não entende nem pode entender que é pela mão dela que os ataques à democracia são evidentes. 

    A democracia não é apenas uma metodologia de transformação de votos em mandatos. Requer uma sociedade civil actuante e crítica alicerçada numa opinião pública activa, independente e interventiva. Sem direitos subjectivos individuais e colectivos fortes a democracia política é um número e não uma comunidade de cidadãos.

    Ora, os principais ataques à sociedade civil apareceram sempre desde o 25 de Abril do lado da esquerda. Foi primeiro a tentativa de instrumentalização do estado e da economia pelo pc com apoio militar, a que se sucedeu, já com o sistema político mais normalizado, a preponderância partidária no estado a ponto da coincidência entre o partido, o estado e o sector empresarial público a que temos assistido até hoje, e que continua a contar com o apoio incondicional da esquerda nacional, de toda ela. O partido é que mudou. Por último temos assistido a tentativas descaradas de controlo das profissões liberais, um dos reservatórios da liberdade, por parte do estado partidarizado. 

    A esquerda nacional identifica liberdade com estado e, por sua vez, estado com partido. Pensa que quanto mais activo for o estado melhor. Ora, como o estado só é uma entidade abstracta nos manuais escolares, identificar liberdade com o estado é reduzir a liberdade à predominância (no estado) do partido dominante ou da aliança partidária que o suporta, e este, por sua vez, quanto mais de esquerda melhor. Já se vê que se aquele partido ou aliança estiver arredado do poder, evidente é para a esquerda portuguesa que a democracia está em perigo. De modo que o raciocínio é circular e acrítico; liberdade é igual a estado e estado é igual a partido. A filiação da esquerda portuguesa é pura e simplesmente jacobina e nada mais. Nunca saiu da Convenção nem de 1793.

    O papel da sociedade civil é pura e simplesmente marginalizado. Mal a sociedade civil dá mostras de independência e vigor, pois lá está o partido para a meter na ordem e a achincalhar com o pretexto do aumento das desigualdades e das assimetrias sociais. Não esqueçamos; para a esquerda nacional a sociedade civil só pode ser integrada por empresas modestas, negócios familiares, tipo mercearias de esquina, cafés, quiosques, oculistas  e lojas de roupa, proprietários tolerados se pequenos, quando muito médios, e, até transige agora com alguma abertura para jovens empresários com potencial, de modo a evitar a emigração deles para o estrangeiro, mas desde que cá dentro não cresçam muito. Tudo quanto estiver para cima disto é de desconfiar. As cadeias de hotéis provocam a escassez da habitação nos centros urbanos, o alojamento local a mesma coisa, os lucros dos bancos um escândalo, o imobiliário um atentado à igualdade, a prosperidade um convite à fuga de capitais, o lucro uma infâmia, etc… A democracia que pretende é a pequeno-burguesa, dependente do estado, acanhada, de vistas curtas e quase pedinte.  

    E quanto à esquerda radical, nunca esqueçamos o seguinte; para esta esquerda há uma diferença essencial quanto ao alcance do voto numa sociedade dividida em classes e numa sociedade sem classes. Na primeira que é aquela, segundo aquela esquerda, em que vivemos o voto é falseado porque é de classe e serve para a classe dominante agredir a outra e robustecer-se. O voto só será prova de consenso quando as classes desaparecem numa sociedade ideal. É isto que a esquerda radical pensa e pensará sempre pelo que as suas aparentes transigências com a democracia parlamentar são apenas por questão de sobrevivência e nada mais. Na primeira oportunidade, lá veriam as restrições ao voto, as prisões arbitrárias, a transferência de poderes para vanguardas revolucionárias, as perseguições, a negação dos mais elementares direitos dos cidadãos e toda a série de javardices a que assistimos em 1974 e em 1975. A liberdade política e o respeito pelo próximo não fazem parte da gramática da esquerda radical. O terror é o penhor da virtude.

    De modo que a opção é entre duas esquerdas, uma totalitária e estatizada e a outra terrorista. Já vai sendo mais que tempo de não termos ilusões e de através do voto as reduzirmos ao seu significado. 

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